Lucilene Porto
Repórter
Um desvio de cerca de 100 milhões de reais. Essa é a estimativa do rombo
aos cofres públicos em mais de 30 prefeituras de Minas Gerais. O
esquema de fraude em licitações, envolvendo empresas do ramo da
construção civil foi descoberto pela Polícia Federal que prendeu 16
pessoas nesta quinta-feira (21), em várias cidades do Estado. A
quadrilha, que atuava desde 1994, tem três empresas com base em Montes
Claros e é acusada de lesar 46 obras públicas, contando com o apoio de
servidores públicos e até de prefeitos.
Fotos Xú Medeiros
José dos Reis Pereira de Paula - servidor público e membro da Junta de
Programação Orçamentária e Financeira da Prefeitura de Montes Claros
Durante toda manhã de ontem, foi intensa a movimentação na porta da
Delegacia da Polícia Federal. Mais de 200 agentes cumpriram 120 mandados
judiciais de busca e apreensão, seqüestro de valores, bens e imóveis e
de prisão temporária na operação batizada como Máscara da Sanidade.
O objetivo da operação, segundo o chefe da PF, Marcelo Eduardo
Freitas foi apurar crimes de formação de quadrilha, peculato, desvio de
recursos, fraude de verba pública e lavagem de dinheiro.
-A corrupção precisa ser combatida e a PF em conjunto com o
Ministério Público Federal e Estadual, Receita Estadual e Federal, Poder
Judiciário e Tribunal de Contas do Estado têm tentado amenizar esse
quadro no país, disse o policial acrescentando que dados da Fundação
Getúlio Vargas apontam que 5% do Pib brasileiro é desviado por
corruptos.
Em vários momentos, o delegado frisou a necessidade de se combater a
corrupção no Brasil. Disse não ter dúvida de que os 100 milhões
desviados poderiam ser usados para combater a pobreza em várias cidades.
-Muito se fala em violência, porém, mais violento que o tráfico de
drogas é a ação da corrupção e a sangria aos cofres públicos. O mesmo
grupo que é lesado pelas fraudes é o mais prejudicado e é o que menos
reage à corrupção.
Onde e como aconteciam as fraudes
Segundo a PF, o esquema de fraudes em licitação acontecia em várias
cidades como Montes Claros, Bocaiúva, Bonito de Minas, Brasília de
Minas, Campo Azul, Capelinha, Capitão Enéas, Claro dos Poções, Cônego
Marinho, Coração de Jesus, Engenheiro Navarro, Francisco Sá,
Glaucilândia, Guaraciama, Indaiabira, Itamarandiba, Januária, Joaquim
Felício, Josenópolis, Manga, Mato Verde, Olhos D’água, Padre Carvalho,
Pai Pedro, Patis, Pedras de Maria da Cruz, Pirapora, Porteirinha,
Salinas, Santa Cruz de Salinas, Santo Antônio do Retiro, São Francisco,
São João da Ponte, São João das Missões, Taiobeiras, Ubaí e Varzelândia.
Em todas as prefeituras, exceto Montes Claros, a Polícia Federal
recolheu documentos a partir de 2005. Os documentos da prefeitura local
já teriam sido recolhidos pelo Tribunal de Contas do Estado há cerca de
um mês.
Evandro Leite Garcia, dono da construtora, é acusado de liderar a quadrilha
Ao ser questionado pela imprensa se as fraudes ocorreram na atual
administração das prefeituras investigadas, o delegado Marcelo Eduardo
Freitas preferiu não divulgar as datas.
-Não se está vinculando prefeitos às fraudes, não queremos interferir
no pleito e não há característica eleitoral nessa ação, disse.
O esquema que envolvia empresas da construção civil funcionava da
seguinte maneira: três empresas pertencentes a um mesmo grupo
participavam de licitação, combinando entre si os valores do serviço a
ser prestado. Assim que venciam, elas recebiam auxílio de servidores
públicos e até de prefeitos para emitirem notas de serviços que não
teriam sido executados, ou que foram executados com o dinheiro do
município e não do governo federal.
Obras como cascalhamento, construção de ponte e postos de saúde foram apontados pela PF como algumas das 46 que foram lesadas.
-As empresas do mesmo grupo se articulavam para apresentar licitações
e ajustavam valores apresentados com envolvimento dos servidores
públicos. Apenas determinadas empresas saíam vencedoras. Assim, elas
passavam a emitir notas inidôneas para justificar obras não executadas
ou executadas com recursos do município, quando deveriam ser executadas
com recurso do governo federal e ou estadual. Quando eram executadas as
obras eram feitas em qualidade e quantidade inferior.
Na investigação, que durou seis meses, a Polícia Federal pediu a
quebra de sigilo bancário e fiscal dos investigados, bem como fez o
monitoramento telefônico dessas pessoas. Foi assim que os policiais
também descobriram a participação de 10 prefeitos no esquema.
-Não temos dúvida que o inquérito será desmembrado para investigação
em relação à participação de prefeitos. Vamos apurar a verdade.
Começamos a investigar a empresa, e no grampo telefônico pegamos cerca
de 10 prefeitos. Focamos a investigação nos funcionários do segundo
escalão, pois ainda não tínhamos histórico dos envolvidos. Houve
monitoramento de dois meses e os prefeitos caíram no grampo, explicou o
delegado.
Durante a prisão do acusados, um servidor público confirmou o esquema
e se dispôs a colaborar com a investigação policial para obter delação
premiada. O nome desse funcionário não foi passado para a imprensa.
Máscara da Sanidade
A expressão Máscara da Sanidade é referência ao primeiro estudo sobre
sociopatas publicado em 1941, com o livro The Mask of Sanity, de
autoria do psiquiatra americano Hervey Cleckley, onde relata casos de
pacientes que apresentavam um charme acima da média, uma capacidade de
convencimento muito alta e ausência de remorso ou arrependimento em
relação às suas atitudes. A analogia foi feita, segundo o delegado
Marcelo porque o Brasil, mesmo tendo 17 milhões de miseráveis na linha
da extrema pobreza, dos quais quase 1 milhão vivem com renda mensal
zero, ainda persistem na sociedade, nas palavras da psiquiatra Ana
Beatriz Barbosa Silva profissionais, camuflados de executivos
bem-sucedidos... trabalhadores, pais e mães de família, políticos que,
acobertados pela máscara da sanidade, desviam e/ou apropriam-se de
recursos públicos, em muitos casos, destinados às necessidades mais
elementares da população carente.
Saiba quem foi preso pela PF
Estão presos temporariamente: Evandro Leite Garcia, dono da
construtora, é acusado de liderar a quadrilha, Maria das Graças
Gonçalves Garcia, esposa de Evandro, Elizângela Pereira da Fonseca, irmã
de Maria das Graças e sócia de uma das empresas do grupo criminoso.
Segundo apurações, Elizângela representa as demais empresas em
determinados processos licitatórios. Também foram presos: Ivan Borges
Dias - tem participação de sócio nas empresas de licitação, Sinara Leite
Rodrigues - sobrinha de Maria das Graças, Ernani Freitas Gomes - uma
das pessoas responsáveis pela execução das obras públicas destinadas às
empresas do grupo, Sebastião Filogônio Dias - secretário administrativo
da prefeitura de Glaucilândia, Ady Wesley Silveira Dias - proprietário
da construtora Potencial e segundo consta, participa, juntamente, com
Evandro em algumas licitações públicas em cidades do Norte de Minas,
Edílson Renato Caldeira - funcionário da prefeitura de Olhos D’água e
responsável pelas medições de obras executadas por Evandro Garcia
naquele município, Heloísa Maria Duarte Oliveira Botelho - secretária de
educação de Claro dos Poções, Luiz Eduardo Fonseca Mota - seria lobista
do grupo e executor das obras de Evandro em Montes Claros
(ex-secretário de finanças em gestão anterior, do atual gestor
municipal) , Romilson Fagundes Cunha - servidor da prefeitura de Montes
claros e trabalha no setor de licitações, José dos Reis Pereira de
Paula - servidor público e compõe a Junta de Programação Orçamentária e
Financeira da Prefeitura de Montes Claros, Edaise Luciana Rodrigues
Chaves - chefe do setor de licitações do município de Santa Cruz de
Salinas, Manoel Teixeira da Cruz - vereador no município de Santa Cruz
de Salinas e irmão do atual prefeito da cidade e Edineti Xavier dos
Santos - secretária de educação de Santa Cruz de Salinas.
Os 16 acusados ficarão a disposição da justiça por até 5 dias. Eles
estão preso temporariamente, no Presídio Regional de Montes Claros.
Fonte : Jornal O Norte